segunda-feira, 11 de abril de 2011

O Massacre do Massacre

O dia seguinte do massacre da escola em Realengo, a última sexta-feira, começou quente. As notícias estavam fervilhando. As informações eram concretas, detalhadas, mas ainda havia muito o que suitar (atualizar). E nós, repórteres, sabíamos disso. Àquela altura, eu já estava mais do que envolvida, inclusive emocionalmente falando. Já tinha ido pra casa, conversado com amigos e familiares e o coração tinha voltado a funcionar.
Logo cedo, parti à caminho do Cemitério do Murundú. Lá aconteceria o maior número de enterros dos corpos das crianças, vítimas do atirador. E, todos que me conhecem sabem que eu prefiro "fazer" 10 operações policiais em um dia do que cobrir sepultamento. Aliás, esse é o pensamento de quase todos os jornalistas. "Como se aproximar dos parentes?" "O que perguntar?" Sempre nos fazemos as mesmas perguntas.
Chegando no cemitério, eu era a única repórter de rádio. Lá na frente, só TV Globo e TV Brasil, que ainda nem tinham tentanto aproximação com familiares das quatro meninas que eram veladas.
Eu não podia esperar... o imediatismo do rádio não me permitia aguardar os coleguinhas. O programa do Clóvis Monteiro estava no ar e eu precisava de um entrevistado.
Tive que encarar a profissão e fui me chegando aos poucos. De forma sutil, conversei com as poucas pessoas que estavam logo na primeira capela, próximo ao corpo da pequena Larissa, que teve a vida interrrompida de forma cruel, aos 12 anos.
Dei sorte. Os padrinhos eram muito gentis e consegui boas entrevistas.
Já ali, era difícil pra mim conter as lágrimas. E pouco depois ficaria ainda mais complicado. Chegariam os pais das duas amigas, veladas em capelas próximas. O desespero foi total. E eu já não conseguia segurar a emoção. Dava vontade de sentar, chorar e abandonar aqueles equipamentos. Eu queria ir embora, de verdade.
A união dos coleguinhas nessas horas ajuda muito. O sentimento era o mesmo de repórteres, cinegrafistas, técnicos. Cada um da sua forma demonstrava como era difícil trabalhar ali.
Acompanhávamos, perplexos, cada mãe, irmã, tia, que saíam carregadas até a ambulância depois de desmaios e cenas de desequilíbrio.
Enquanto eu estava no ar, já no programa do Francisco Barbosa, o prefeito Eduardo Paes adentrou ao cemitério. Todos correram, eu estava presa com meu entrevistado e achei coerente não interromper a conversa. Fiz o registro da presença do prefeito e continuei.
Até que... Paes se libertou da imprensa, da assessora e caminhou sozinho até a primeira capela: a breve caminhada era em minha direção e ele passou do meu lado, braço com braço. Eu estava ao vivo. Era minha obrigação, meu trabalho, abordá-lo. A resposta? Um fora e uma cara de raiva do prefito que vão ficar no meu histórico. Ele disse que não era o momento. Eu sabia que não era momento nem pra eu estar ali, mas estudei pra isso, minha função é passar o fato e ele era o fato naquele instante. O prefeito parecia me achar o ser humano mais insensível do mundo... eu que já tinha me derramado em lágrimas por diversas vezes.
Mas na coletiva relaxei, constatei que eu não era mesmo insensível. Ufa!
O prefeito é que não estava nos melhores dias. Nenhum de nós estávamos. Ele soltou umas boas "diretas" à pobre da assessora e, felizmente, eu acabei cumprindo meu papel, consegui a palavra de "Santo" Paes.
Ainda chegariam secretário de segurança, chefe de polícia civil e comandante da polícia militar. A correria pelas sonoras, em meio as covas, me rendeu uma mancha roxa no cotovelo que permanece.
De todas as entrevistas, teve também uma que me marcou naquele lugar tão marcado pela dor. Com Isabela, uma aluna da Tasso da Silveira, de 12 anos, que aos prantos, dizia olhando nos olhos, no ar, ao vivo pra rádio Tupi: "Eu não quero mais voltar pra escola, tenho medo dele (o atirador)"
Um massacre pro meu coração.

10 comentários:

  1. É, de fato, triste, lamentável, tanto o massacre como os dias que se sucedem. Deve ser uma barra enterrar um filho ou filha que tinha toda a vida pela frente. Fico tentando imaginar a tristeza que deve ter sido esse dia, Bianca. Meus parabéns pelo seu trabalho, que por muitas e muitas vezes, tem que tentar (eu disse tentar!) conter a emoção. Beijos e fique com Deus!!

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  2. É Bianca ,

    De fato é muito triste senti tudo isso na transmissão . Percebi por várias vezes a sua voz embargada com jeito de choro.Quanto ao Prefeito eu entendo imagina a repercussão negativa para o governo. Ele é assim mesmo eu o conheço, é um homem irriquieto. De bom nisso tudo ficou mais uma vez provado o excelente trabalho que você fez Bianca. Imagino o restante do seu dia como foi. O cemitério tem sempre uma aura pesada. A gente sai de lá meio que carregado. Este ano perdi uma prima de sete anos, foi uma barra. Sucesso Bianca, grande beijo e fique com Deus!!

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  3. Bianca , estava dirigindo e ouvindo a tupi , deu pra perceber a atitude do prefeito naquele momemto ;só q com muita abilidade vc contornou , continuou sua matéria e foi muito feliz , ficamos informados. Parabéns !! bjsssssssssss

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  4. Ah Bia...

    Que texto, menina. "Entrei" de cabeça, me senti no local, vivendo e vendo as situações pelos seus olhos.

    Houve um tempo no RJ, com a popularização dos rádios de pilha, que o AM dava uma só audiencia. Era sair de um canto e entrar em outro, tava lá: a mesma rádio, tinha sempre um ouvindo. Música, informação, cultura... tudo de bom.
    Chamava-mos o fone de ouvido de "egoista" e mono, só tinha um lado. Vieram Walkman, K7, CD, DiskMan, Internet, e na velocidade de um raio. Hoje, a Tupi resgata esse tempo bom que vivi, que vivemos, mesmo com todo aparato tecnológico.
    Feres tá de parabéns, a equipe toda, o companheiro Sérgio Guima ( um forte abraço! ) e a todos e todas que nos fornecem as informações que precisamos e que apendemos a confiar. Todos precisávamos dessa imparcialidade neste mundo manipulado pelo marketing.
    A ti, em especial... mó orgulho de te ver crescendo assim!

    Parabéns novamente.

    "A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras." Aristóteles.

    Be strong. Life's too short to be afraid...(eu!

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  5. Bianca, é como eu já te falei. Eu já levei uns três foras do cidadão citado no seu texto. O primeiro me chocou, o segundo me deixou chateada, o terceiro me fez entender que ele precisa fazer isso. Faz parte do show dele. Tem gente assim no mundo. Que precisa humilhar para se sentir maior.

    A cobertura foi exaustiva em todos os sentidos. Cheguei em casa me sentindo tão mal... Só queria o carinho das pessoas queridas e ouvir coisas engraçadas para voltar a rir. É tudo muito triste.

    Você foi ótima. Aliás, é sempre.

    Sou sua fã!

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  6. Marco Bulhões

    Bianca, vc é realmente uma estrela, na verdade a estrela que mais brilha na radio, reconheço que seu trabalho não é nada facil, pois, vc precisa ser forte quando todos desistem, tem que sorrir quando todos choram, tem que lutar e vencer quando todos admitem a derrota. Na verdade vida de estrela é assim, se não fosse assim, vc seria simplesmente uma de nós.
    Mais uma vez parabens, espero que a sua estrela continue assim sempre a brilhar, ou melhor, desejo que a cada dia ela brilhe muito mais.

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  7. Obrigada pela visita, amigos! O trabalho é duro, mas sou privilegiada por fazer o que gosto. Isabele Rangel, sou sua fã! Beijos para todos!

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  8. Bianca, moro na zona oeste do Rio, mais precisamente Cpo Grande, ia até lá, mas lhe confesso, que fiquei bastante emocionado com tudo que aconteceu. Eu perdi a minha querida mãezinha há cerca de 2 meses, foi horrível. Me solidarizei bastante com a dor daqueles que perderam os seus entes queridos dessa maneira tão brutal. Com relação aos percalços pelos quais você passou, e nós também passamos, fazem parte da vida. Você para mim é sinônimo de: credibilidade, confiança e determinação e sobretudo grande profissionalismo.
    Parabéns, grande repórter!

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  9. Estou gostando muito dos seus relatos, Bianca. Emoção e profissionalismo parecem conflitantes, no entanto, somos humanos: é bom lembrarmos disso. Eu sou professor de português e me sensibilizei com esse episódio, aliás, todos nós...
    Um abraço, fique com DEUS,

    Raimundo Luís (NITERÓI)

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  10. Que País é esse? Bianca, estou indignado, quer dizer que você praticar um ato de bravura, heroismo, e depois conceder uma entrevista, seria motivo de prisão?! Me refiro ao Bombeiro Ronnie, preso administrativamente, por ter ajudado aquelas crianças derramando sangue e totalmente desorientadas. E se fosse um ente querido de quem achou por bem em puni-lo desta maneira, será que a história seria a mesma que está sendo agora? Tremenda covardia!

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